No meio das suas considerações, Olavo alude a um outro texto seu – Bandidos & Letrados – no qual analisa mais extensamente a relação entre o banditismo e um certo pensamento de esquerda.
Ora, estes dois textos são de particular actualidade numa altura em que, por cá, vivemos aquilo que designamos, de forma algo optimista, por onda de criminalidade violenta e que pode bem ser, esperemos que não, menos onda que maré.
A propósito desta onda, não tardaram as habituais reacções: da esquerda veio o já canónico mito do crime como reflexo das dificuldade económicas que o país atravessa, à qual, surpreendentemente – ou talvez não – se associou o líder do PSD, Luís Filipe Menezes. Do poder – que é como quem diz, da esquerda mais comprometida – veio a desvalorização do fenómeno, quer através de discursos de ministros, quer por meio da oportuna divulgação de estatísticas que pretendem contrariar a generalizada sensação de insegurança expressa pelos cidadãos e pelos agentes policiais; e veio o anúncio da elaboração de mais leis, de mais planos e de mais projectos que só na mente de quem os concebe – oh, inteligências preclaras – contribuirão para a resolução dos problemas da segurança dos cidadãos.
Quanto às origens do mito e quanto ao mito em si mesmo, a leitura do texto Bandidos & Letrados é particularmente esclarecedora, assim como também o é em relação à tibieza e inconsequência das propostas feitas pelos nossos governantes, razões mais que suficientes para tornar a sua leitura absolutamente indispensável.
Para ilustrar esta afirmação, colo algumas passagens:
«Entre as causas do banditismo carioca, há uma que todo o mundo conhece mas que jamais é mencionada, porque se tornou tabu: há sessenta anos os nossos escritores e artistas produzem uma cultura de idealização da malandragem, do vício e do crime.(…)»
«(…) Humanizar a imagem do delinqüente, deformar, caricaturar até os limites do grotesco e da animalidade o cidadão de classe média e alta, ou mesmo o homem pobre quando religioso e cumpridor dos seus deveres — que neste caso aparece como conformista desprezível e virtual traidor da classe —, eis o mandamento que uma parcela significativa dos nossos artistas tem seguido fielmente, e a que um exército de sociólogos, psicólogos e cientistas políticos dá discretamente, na retaguarda, um simulacro de respaldo "científico".
À luz da "ética" daí resultante, não existe mal no mundo senão a "moral conservadora". Que é um assalto, um estupro, um homicídio, perto da maldade satânica que se oculta no coração de um pai de família que, educando seus filhos no respeito à lei e à ordem, ajuda a manter o status quo? O banditismo é em suma, nessa cultura, ou o reflexo passivo e inocente de uma sociedade injusta, ou a expressão ativa de uma revolta popular fundamentalmente justa. Pouco importa que o homicídio e o assalto sejam atos intencionais, (…). A conexão universalmente admitida entre intenção e culpa está revogada entre nós por um atavismo marxista erigido em lei: pelo critério "ético" da nossa intelectualidade, um homem é menos culpado pelos seus atos pessoais que pelos da classe a que pertence.(…)»
«(…) É absolutamente impossível que a disseminação de tantas idéias falsas não crie uma atmosfera propícia a fomentar o banditismo e a legitimar a omissão das autoridades. O governante eleito por um partido de esquerda, por exemplo, não tem como deixar de ficar paralisado por uma dupla lealdade, de um lado à ordem pública que professou defender, de outro à causa da revolução com a qual seu coração se comprometeu desde a juventude, e para a qual a desordem é uma condição imprescindível.(…)»
«(…) De nada adianta a experiência universal ensinar-nos que a conexão entre miséria e criminalidade é tênue e incerta; que há milhares de causas para o crime, que mesmo a prosperidade de um wellfare State não elimina; que entre essas causas está a anomia, a ausência de regras morais explícitas e comuns a toda a sociedade; que uma cultura de "subversão de todos os valores" e a glamurização do banditismo pela elite letrada ajudam a remover os últimos escrúpulos que ainda detêm milhares de jovens prestes a saltar no abismo da criminalidade. Contrariando as lições da História, da ciência e do bom senso, nossos intelectuais continuam presos à lenda que faz do criminoso o cobrador de uma dívida social.(…)»
Mas o melhor é ler todo o artigo, seguir o encadeamento do raciocínio e da exposição do Olavo de Carvalho, acompanhar todas as ramificações apontadas.
O filme Tropa de Elite já foi distribuído em Portugal? Houve polêmica tanto quanto aqui no Brasil?
ReplyDeleteNão, Lucas, que eu saiba ainda não passou nas salas de cinema portuguesas.
ReplyDeleteÉ possível que venha a gerar o mesmo tipo de polémica, porque, cá como no Brasil, a intelectualidade (é quase redundante dizer "de esquerda") tem uma antipatia de classe em relação à polícia - e às forças da ordem em geral - e uma simpatia da mesma natureza em relação a qualquer agente subversivo. Em relação a estes, sentem até simpatia e admiração, assentes num sentimento de culpa, resultante de se considerarem a si mesmos agentes activos da sociedade capitalista que dizem abominar, mas na qual vivem confortavelmente.
Enfim, nada de novo.
Cumprimentos e volte sempre,
Uma outra razão da solidariedade de classe entre os intelectuais de esquerda e os agentes subversivos violentos reside no facto de serem aliados na estratégia revolucionária: estes subvertem nas ruas, de forma evidente e explosiva; os intelectuais subvertem na universidade, nos media, no templo.
ReplyDeleteFarinha do mesmo saco, uma com, outra sem farelo.